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O ser humano é repleto de dúvidas. Uma delas, entretanto, costuma tirar o sono de muita gente: quem sou eu?

Ao longo da história da humanidade, a busca pela identidade tem sido uma constante para pensadores, que tentaram responder esta complexa questão de diferentes formas. Seja na inscrição do Templo de Apolo que diz “Conhece-te a ti mesmo”, seja na música Who Are You, da banda The Who, todos nós já tentamos responder a esta questão em algum momento, como explica a educadora Amy Adkins.

É claro que uma pergunta tão complexa quanto esta apresenta diferentes respostas, hipóteses e praticamente nenhum consenso.

Mas se são tantas pessoas capacitadas – filósofos, pesquisadores, pensadores, poetas – fazendo a mesma pergunta, então por que é tão difícil encontrar a resposta certa?

A primeira dificuldade está no fato de a nossa identidade estar sempre mudando. O ser humano está constante transformação, no melhor estilo Metamorfose Ambulante, de Raul Seixas. Ninguém hoje é exatamente a mesma pessoa que era há 5 ou 10 anos. Nem será daqui a 20, 30 ou 50 anos.

Para complicar, quando a gente se pergunta “quem sou eu”, o “sou” indica o presente, e o presente pode ser a qualquer momento, dia da semana, hora, minuto ou segundo…

E se isso parece complicado, é óbvio que fica ainda pior quando o “eu” entra em cena. Será que ele se refere ao eu físico ou ao eu emocional, com nossos pensamentos e sentimentos, ou ainda nossas ações?

A impressão que se tem é que estamos navegando por águas perigosas, talvez por isso que o historiador grego Plutarco tenha usado a história de um navio para falar sobre o assunto.

Diz a lenda que Teseu, o rei que fundou Atenas, matou sozinho o minotauro de Creta e depois voltou para casa. Durante 1 mil anos, os atenienses mantiveram no porto da cidade o navio de Teseu, reencenando atualmente a aventura do herói. Sempre que uma parte do navio ficava gasta ou era danificada, era substituída por uma peça idêntica, do mesmo material. Em um determinado momento, entretanto, o navio deixou de ter peças originais.

Plutarco notou que o navio e suas peças substituídas consistiam em um exemplo do paradoxo filosófico que gira em torno da persistência da identidade. Como pode-se substituir todas as partes de uma coisa e ela se manter a mesma?

Imagine que há 2 navios: o navio que Teseu atracou em Atenas seria o primeiro e aquele que os atenienses navegaram 1 mil anos depois seria o segundo. Será que estes dois navios são o mesmo?

Talvez você diga que durante 1 mil anos só houve um navio pertencente a Teseu, porque as mudanças feitas ocorreram gradualmente, e em momento algum ele deixou de ser considerado o navio original – ainda que não tenha sobrado nenhuma peça original. Por outro lado, os dois navios são numericamente iguais e guardam o mesmo significado, sendo qualitatavamente a mesma coisa.

A questão seguinte, então, é que Teseu nunca colocou os pés no segundo navio e que sua presença nele seria essencial para que a propriedade do navio fosse atribuída a ele. Daí que se eles são numericamente idênticos, eles não são qualitativamente idênticos.

Agora, imagine o seguinte: e se à medida que cada peça original ia sendo retirada do navio, alguém as recolhesse e fosse montando o navio original inteiro? Quando ficasse pronto, seria inegável que haveria, realmente, dois navios físicos e ambos poderiam reclamar o título de navio de Teseu, mas apenas um deles seria o verdadeiro.

A primeira pergunta é qual deles é o verdadeiro. E a segunda é o que isso tem a ver com você.

Assim como Teseu, todos nós somos uma coleção de peças em constante mudança. Nosso corpo, mente, sentimentos, ações, circunstâncias… tudo muda o tempo inteiro, mas por alguma razão, a gente continua sendo as mesmas pessoas.

É por isso que responder a uma pergunta como quem sou eu é tão complicado e, para tentar respondê-la, seria necessário mergulhar no oceano profundo do paradoxo filosófico. Ou, quem sabe, continuar vivendo e deixando a vida te levar.